Empresa registrada em Matinhos apresentou proposta como se ofertasse o procedimento e venceu licitação. Prefeitura afirmou apurar o caso; clinica disse nunca ter agido contra a lei e que 'valores têm origem em serviços prestados'. MP avalia medidas cabíveis. Sede da Prefeitura de Matinhos, no Paraná
Divulgação/Prefeitura de Matinhos
A Prefeitura de Matinhos, no litoral do Paraná, pagou por 500 mamografias que nunca foram feitas. Informações obtidas pelo g1 no Portal da Transparência da cidade revelam que R$ 82,5 mil saíram dos cofres públicos para uma clínica que não oferece o exame.
Enquanto isso, mulheres que buscam o sistema público de saúde na cidade chegam a aguardar meses até conseguirem uma vaga para fazer o exame.
Quando são chamadas, são encaminhadas para o município vizinho de Paranaguá realizar o procedimento. O deslocamento fica por conta de cada uma delas, não há ajuda de custo ou transporte bancado pelo município.
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Maria Cleusa da Costa Leite tem 66 anos e periodicamente busca o sistema público de Saúde para fazer a mamografia. Ela conta que há três meses está na fila para fazer o procedimento.
"Falam que, quando abrir vaga, eles entram em contato. A gente que não tem condições, é tratado que nem cachorro."
A rotina dela é puxada: sai cerca de 5h para trabalhar como cuidadora de idosos, quando volta para casa ainda ajuda a cuidar dos três bisnetos.
A ida para outra cidade para fazer o exame teria que ser encaixada nessa logística.
"É difícil, a gente tem que desembarcar ali na rodoviária, pegar ônibus daqui às 6h, para poder chegar lá, chega lá tem 50 na frente, e tem que esperar até chegar a nossa vez. Até Paranaguá, R$ 10 para ir e 10 para voltar", diz.
Conforme a Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (Sesa), o governo estadual mantém convênios com municípios para a realização de exames e que, no caso de Matinhos, os dois pontos de referência estaduais são as clínicas Cedil e Centro de Imagens, em Paranaguá.
Os estabelecimentos ficam a cerca de 45 quilômetros da região central de Matinhos.
As mamografias foram contratadas por licitação. A empresa vencedora foi a Mario Meduna EPP, registrada na própria cidade e localizada no bairro Bom Retiro. A companhia já tinha vencido outras licitações da prefeitura.
O edital buscou contratar uma empresa para "prestação de serviços de diagnóstico por imagem com laudo". Além das mamografias, a licitação contratou exames de ecografias de diversos tipos. O contrato firmado é de 12 meses. Veja no decreto abaixo:
Decreto homologa licitação que contratou mamografias em Matinhos (PR)
Divulgação
Os pagamentos
Conforme o Portal da Transparência da Prefeitura de Matinhos, as 500 mamografias contratadas foram pagas este ano a partir de três notas fiscais:
200 unidades por R$ 33 mil (julho);
155 unidades por R$ 25.575,00(agosto);
145 unidades por R$ 23.925,00 (outubro);
Casa onde funciona a clínica Meduna, contratada pela prefeitura de Matinhos
Reprodução
O edital da licitação afirma que a mamografia bilateral é "vital para a descoberta precoce de um câncer de mama". O documento estabelece que a empresa contratada deve:
fornecer todos os materiais e insumos necessários para realização do exame;
fornecer a infraestrutura necessária ao bom atendimento e satisfação dos usuários, de acordo com as normas estabelecidas pelo Sistema Único de Saúde;
prestar a esta Secretaria de Saúde esclarecimentos relativos às ocorrências na execução da prestação de serviços.
O g1 ligou para a clínica e perguntou se eles faziam mamografia. A atendente respondeu que o local não oferece o exame nem nunca chegou a oferecer. Escute no vídeo abaixo.
Clínica de Matinhos contratada para fazer mamografias não oferece o exame
Ao ser procurada pelo g1, a Prefeitura de Matinhos disse que está apurando os fatos para ter certeza do que aconteceu e quem são os responsáveis.
O g1 questionou a empresa Mario Meduna EPP sobre o motivo de disputar a licitação sem poder oferecer o serviço e sobre qual foi o destino do dinheiro recebido da prefeitura para as mamografias.
Em nota, a companhia disse apenas ter ciência das apurações feitas pelo município sobre o caso e que está prestando todas as informações necessárias.
Além disso, afirmou nunca ter agido "em desacordo com os preceitos legais" e que "todos os valores têm origem em serviços prestados".
O Ministério Público do Paraná (MP-PR), por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Matinhos, disse que, a partir das informações apuradas pelo g1, avaliará as eventuais medidas cabíveis.
O g1também entrou em contato com a Secretaria de Saúde por meio do 0800 disponibilizado ao cidadão e questionou qual era o procedimento para fazer uma mamografia. O profissional que atendeu confirmou que as pacientes são encaminhadas para Paranaguá. Ouça abaixo.
Mulheres que vivem em Matinhos precisam ir até outra cidade fazer mamografia
Em uma transmissão ao vivo realizada pela Prefeitura de Matinhos, no dia 17 de outubro, em alusão ao "Outubro Rosa" foi reiterada a orientação de que os exames são feitos em Paranaguá.
Edital prevê fiscalização do serviço
O poder público também deve fiscalizar se as mamografias foram feitas. É o que prevê o edital da licitação que contratou os exames:
"Realizar, através de equipe técnica das Secretarias solicitantes, o acompanhamento da execução do objeto por meio de avaliações periódicas, visitas, auditorias, comunicações escritas, sendo as intercorrências registradas em relatórios anexados à documentos da detentora".
Combate ao Câncer de Mama
De acordo com Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Paraná registrou cerca de 3.650 casos de câncer de mama em 2023.
O INCA explica que, no Brasil, conforme as Diretrizes para a Detecção Precoce do Câncer de Mama, a mamografia é o único exame cuja aplicação em programas de rastreamento tem eficácia comprovada na redução da mortalidade por câncer de mama.
A mamografia de rotina é recomendada para as mulheres de 50 a 69 anos uma vez a cada dois anos.
Combate ao câncer de mama
Dilvulgação/Sociedade Brasileira de Mastologia
A Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (Sesa) afirma que a porta de entrada para mulheres que precisam fazer uma mamografia pelo sistema público é buscar a Unidade Básica de Saúde (UBS) de referência da região onde vive.
No Paraná, a secretaria explica que a mamografia diagnóstica pode ser solicitada pelo médico a partir dos 10 anos de idade, no caso do exame de rastreamento a partir dos 35.
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