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Mergulhão-de-capuz tem um dos rituais de acasalamento mais intrigantes da natureza; assista

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Por Redação em 15/01/2024 às 15:52:40
"Dança" foi filmada pela primeira vez pelos cineastas Paula e Michael Webster, em 2017. Espécie é endêmica do sul da Patagônia e está criticamente ameaçada de extinção. Vídeo mostra dança que mergulhões-de-capuz realizam no período reprodutivo

No alto das montanhas, no sul da Patagônia Argentina, mora uma das aves mais ameaçadas e extraordinárias do mundo: o megulhão-de-capuz ou mergulhão-de-touca (Podiceps gallardoi).

Com uma aparência que chama atenção, os mergulhões encantam cientistas e observadores de aves também por seu comportamento no período de reprodução. O motivo é a "dança" que os casais realizam nesta época, um ritual tão singular que foi eternizado em forma de documentário.

Os cineastas Paula e Michael Webster foram os primeiros a registrar o ritual de casalamento da espécie, em 2017. O filme foi encomendado pela Aves Argentinas, parceira da BirdLife International no país, que realiza ações de proteção ao mergulhões-de-capuz.

Assista ao documentário completo neste link

"A família dos mergulhões é conhecida por abrigar espécies monogâmicas e que fazem uma complexa exibição visual durante o período reprodutivo. O mergulhão-de-capuz possui a mais elaborada dentre os membros da família com, no mínimo, dez exibições diferentes descritas durante o display de corte da espécie", explica o ornitólogo Matheus de Moraes dos Santos.

De acordo com ele, a dança é parte da exibição que antecede a reprodução e serve para fortalecer laços entre indivíduos.

"Quando um indivíduo se torna adulto reprodutivo, há o cortejo quando encontra seu primeiro parceiro e quando já estão juntos também. A dança sempre vai acontecer no período reprodutivo. É meio que obrigatório, um comportamento adquirido pela espécie ao longo de sua evolução", comenta.

Dança do mergulhão-de-capuz é feita durante o período reprodutivo

Ezequiel Racker / iNaturalist

Da família Podicipedidae, o Podiceps gallardoi não vive nas montanhas propriamente ditas, mas em lagos basálticos de águas cristalinas e pouco profundas, localizados de 500 a 1,2 mil metros de altitude. Ambientes inóspitos, frequentemente castigados por tempestades.

De acordo com Matheus, mestrando em Conservação da Fauna pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), a escolha do lago pela espécie depende da configuração de seu entorno. Isso porque os mergulhões-de-capuz preferem lagos com falésias, ou seja, com paredes de rocha, capazes de protegê-los dos ventos e tempestades das montanhas.

Mergulhões-de-capuz registrados no Rio Chico, na província de Santa Cruz, na Argentina

corbie77 / iNaturalist

Reprodução da espécie

O mergulhão realiza movimentos migratórios, passando o inverno em estuários e, na época de reprodução, segue para os lagos vulcânicos/basálticos nas altitudes da Patagônia argentina, como explica o especialista em aves.

"Na invernada, parte da população vive nos estuários dos rios Gallego e Coyle, no sul da Argentina; parte se dispersa pelos lagos mais profundos que ficam no caminho, entre os sítios reprodutivos e a costa do oceano Atlântico. A taxa de reprodução é baixíssima, com apenas um filhote por ninhada. Caso não haja sucesso no começo da temporada, o casal pode tentar novamente", comenta Matheus.

Neste período de reprodução, a espécie cria em grandes colônias que podem passar de 100 casais. O ninho é uma plataforma feita da planta aquática Myriophyllum elatinoides, onde dois ovos são postos. Eles, no entanto, eclodem fora de sincronia e quando o primeiro filhote nasce, o outro ovo é descartado.

Postura dos ovos é feita na planta aquática Myriophyllum elatinoides

Ezequiel Racker / iNaturalist

A postura ocorre de dezembro a fevereiro, a incubação dura em torno de 20 dias e as primeiras alimentações são feitas com itens bem pequenos, passando depois para moluscos aquáticos. Se a quantidade de alimento no ambiente for baixa, os filhotes são abandonados.

Aparência inusitada

Com 32 centímetros, em média, e pesando de 400 a 600 gramas, a espécie tem corpo largo, pescoço curto e um chamativo padrão de coloração: com branco indo do pescoço aos flancos, contrastando com o preto da cabeça e das costas.

Acima da testa branca há um topete ruivo que pode vez ou outra ficar ereto. O conjunto se completa com olhos vermelhos e asas brancas, com as pontas escuras.

Podiceps gallardoi, conhecido como mergulhão-de-capuz ou mergulhão-de-touca

Gonzalo Pardo / iNaturalist

Ambos os sexos são iguais, sendo que os machos têm o bico um pouco mais longo. Os juvenis se parecem com os adultos, mas possuem penas brancas nas bochechas.

Segundo Matheus, mergulhão-de-capuz seria uma definição melhor da ave, já que a touca ocupa apenas a parte de cima da cabeça e o capuz veste a cabeça como um todo, deixando somente um espaço para os olhos.

"O padrão de coloração do mergulhão realmente lembra um capuz: branco no pescoço, uma mancha escura que ocupa todo o desenho da cabeça, deixando apenas uma pequena parte branca na testa", diz o ornitólogo.

Hábitos e alimentação

O mergulhão-de-capuz é uma espécie gregária e, como outras espécies que vivem em colônias, tende a ser pouco territorialista. Caçam em bandos e ficam em média 25 segundos submersos. Por vezes se misturam com mergulhões-de-orelhas-amarelas (Podiceps occipitalis), espécie que ocasionalmente aparece no Brasil.

Tem uma interação negativa com o gaivotão (Larus dominicanus), na qual o mergulhão tende a ficar em alerta na presença e até mergulhar, em fuga, quando a gaivota fica muito próxima.

Os grupos são barulhentos e emitem muitos chamados (https://xeno-canto.org/470295), mas a vocalização mais marcante é um assobio curto, melódico e trêmulo (https://xeno-canto.org/411753)

Podiceps gallardoi é uma espécie gregária, que vivem em colônias

Ezequiel Racker / iNaturalist

A espécie depende muito da presença da planta aquática Myriophyllum elatinoides. Além de estritamente importante na construção do ninho, o vegetal também abriga invertebrados que servirão de alimento para filhotes e adultos.

A ave dançarina é um predador aquático, que se alimenta de pequenos invertebrados como anfípodes (Amphipoda) - grupo que abriga o pulgão-da-praia (Talitrus saltator) -, crustáceos e moluscos. Para Matheus, a espécie parece ter uma predileção pela espécie de caracol de água doce (Lymnaea diaphana), peixes e algas.

Ameaças

O mergulhão consta como criticamente ameaçado (CR) na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) e tem a população estimada em menos de 1,4 mil indivíduos. A espécie foi descrita há apenas 50 anos atrás, em 1974.

Uma das ameaças mais impactantes para a espécie, segundo Matheus de Moraes, é a mudança do clima, que afeta diretamente o derretimento das geleiras com impacto nos lagos onde a espécie se reproduz.

"Cada vez menos gelo é formado, impactando todo o ecossistema que depende de seu derretimento, deixando os lagos cada vez mais baixos e as lagoas menores e completamente secas. Assim, os locais de reprodução da espécie podem diminuir até o nível dela não conseguir se manter", diz.

Perda de habitat por mudanças climáticas e espécies invasoras ameaçam a sobrevivência do mergulhão

Ezequiel Racker / iNaturalist

Animais introduzidos também causam problemas ao mergulhão em diferentes esferas, conforme o ornitólogo. Os visons, pequenos mamíferos comumente chamados de "doninhas" e oriundos da América-do-Norte, se alimentam de mergulhões adultos, dos filhotes e dos ovos.

"É um sério problema. É um tanto complicado, principalmente para uma espécie que produz apenas um único filhote por temporada", acrescenta.

Salmão e truta também são espécies que chegaram até os lagos onde o mergulhão se reproduz. Ambos se alimentam de invertebrados que fazem parte da dieta do mergulhão, o que aumenta a competição por alimento no ambiente.

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Além deles, o gaivotão tem expandido sua presença ao longo das montanhas por conta da disponibilidade de alimento deixada pelo homem e, inevitavelmente, chegou aos locais de reprodução do mergulhão, onde se alimentam dos ovos e filhotes da ave ameaçada.

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