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OsĂ©as, Lessa, Carlos, Risonaldo e BabĂĄ: conheça os maestros das orquestras de frevo que 'arrastam' multidões nos blocos tradicionais do carnaval de Olinda e Recife

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Por Redação em 06/02/2024 às 02:20:28
O g1 conversou com cinco regentes que se dividem entre as maiores agremiações do estado e há décadas se dedicam à missão de fazer o povo 'ferver' nas ruas e ladeiras. Imagem de arquivo mostra orquestra de frevo se apresentando no carnaval

Acervo/TV Globo

Imagem de arquivo mostra orquestra de frevo se apresentando no carnaval

Acervo/TV Globo

O carnaval de Olinda e Recife pode ser vivenciado das mais variadas formas. Mas há um elemento que é indispensável para a folia acontecer: as orquestras de frevo. Formadas por dezenas de músicos, as bandas de instrumentos de metal não só ditam o ritmo dos blocos como "arrastam" as multidões que lotam ruas e ladeiras. Em outras palavras: sem elas, não existe carnaval.

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Em meio às inúmeras agremiações que circulam nas ruas das duas cidades, são poucos os grupos musicais que acertam o passo dos maiores blocos carnavalescos de Pernambuco. Para entender o tamanho desse desafio, o g1 conversou com os cinco maestros das orquestras mais tradicionais (e demandadas) de uma das maiores festas populares do país.

Oséas Leão; José Bezerra da Silva - o maestro Lessa; Carlos Rodrigues; Risonaldo Verçosa e Adriano Ferreira Pinto, o Babá, são parte de uma tradição que muitas vezes passa de pai para filho.

Regentes de diferentes gerações – alguns não têm formação musical tradicional, mas receberam o título de "maestro" pela prática da vida nas ruas e nos clubes, dedicados à missão de fazer o povo "sentir a embriaguez do frevo", tocando de troça em troça, no sol e na chuva, com uma disposição quase sobre-humana.

Confira as histórias de:

Oséas;

Lessa;

Carlos;

Risonaldo;

Babá.

Oséas Leão

Imagens do maestro Oséas regendo orquestra de frevo em imagens de arquivo; ofício que aprendeu com o pai

Nome completo: Oséas Leão de Souza;

Idade: 69 anos;

Período em atividade conduzindo orquestras: cerca de 40 anos;

Extensão da banda que coordena: de 30 a 35 músicos;

Blocos em que atua durante o carnaval: Elefante de Olinda, Cariri Olindense, Ceroula, Mulher na Vara, John Travolta, Boi da Macuca, Trinca de Ás, Bloco do Cimento, entre outros.

Natural de Aliança, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, Oséas já perdeu a conta do número de blocos e de carnavais em que já tocou (veja, no vídeo acima, ensaio do maestro em imagens de arquivo).

Ao g1, ele disse que começou em bandas de metais, tocando trompete, aos 8 anos, seguindo, na "marra", uma tradição do pai e do tio, que também eram músicos e queriam transmitir a vocação para as novas gerações.

"Meu pai me levava [à orquestra de Aliança], aí comecei a aprender. Chegou a um ponto de eu querer desistir. Mas ele disse: 'Você não vai querer desistir, não'. Passei quinze dias de uma lição. Aí ele botou o cinturão e colocou em cima da mesa. Disse: 'Se você não der essa lição hoje, você me apanha'. Até hoje decorei ela e não esqueço mais nunca", contou.

Na adolescência, depois que a família se mudou para o Recife, Oséas entrou para a orquestra do Grêmio Musical Henrique Dias, no bairro do Amparo, em Olinda. Anos depois, pediu para o presidente da instituição da época para criar uma segunda banda, que hoje leva o nome do maestro.

E lá se vão 40 anos subindo e descendo ladeira. Só no bloco John Travolta, por exemplo, são, pelo menos, 30 anos. Segundo Oséas, a rotina no carnaval é tão intensa que ele "vira" do sábado para o domingo, tocando sem parar por mais de 24 horas.

Apesar de todo o esforço, disse que nunca pensou em desistir – embora tenha deixado de tocar trompete ao longo do tempo.

"Para mim, o frevo é tudo. [Vou tocar] até quando der. Eu tocava trompete, não dá mais para fazer o que fazia, aí vou ficar tomando conta da orquestra" , declarou Oséas.

Para manter o sucesso que persiste há tantos anos, o maestro ensaia o ano inteiro, começando já em abril, para acompanhar a festa do Boi da Macuca, em junho.

"Antigamente, começava a sair em setembro, mas hoje é o ano todo; porque tem a Macuca durante o São João e é em ritmo de frevo também. [...] Terminou o carnaval, em abril a gente começa", contou o maestro, que reúne a equipe uma vez por semana, às sextas-feiras.

Maestro Oséas Leão conduz orquestra de frevo que dá ritmo a vários blocos de carnaval de Olinda e Recife

Artur Ferraz/g1

Lessa

Regendo orquestras há 32 anos, Maestro Lessa é referência no carnaval de PE (arquivo)

Nome completo: José Bezerra da Silva;

Idade: 86 anos;

Período em atividade: 66 anos como músico no carnaval e 32 anos como regente;

Extensão da banda que coordena: 30 músicos;

Blocos em que atua durante o carnaval: Troça Carnavalesca Mista Tá Maluco, Clube Vassourinhas, Camisa Velha, MéxicoPeru, entre outros.

Batizado José Bezerra da Silva, Lessa não soube dizer exatamente o porquê do apelido, mas disse que ganhou o codinome jogando pelada, na posição de goleiro.

Aos 86 anos, o regente – que conduziu, por 19 anos, o cortejo da Pitombeira dos Quatro Cantos e já se apresentou na Holanda com o Vassourinhas de Olinda (veja vídeo acima) – contou que, mesmo depois de 66 carnavais, nunca sentiu desgaste físico por tocar horas seguidas entre as ladeiras da Cidade Alta.

"Até hoje, nenhum problema. [...] Fui um cara criado comendo muita carne, muito leite de vaca, leite de cabra, fui um cara bem criado. E, por isso mesmo, hoje em dia ainda tenho gás para essas coisas", afirmou Lessa.

O maestro começou a carreira tocando numa banda em Nazaré da Mata, na Zona da Mata Norte do estado, e passou por diversos grupos em clubes do Recife e de outras cidades até montar a própria orquestra, em 1992.

"Eu tinha um grupo de amigos que pediam [para criar a banda]. A gente se reuniu, apesar de que a metade já se foi. A gente formou, ensaiou no grêmio [recreativo]. O presidente foi lá, acertou comigo. A Ceroula também, e outros. Por isso, cheguei na Pitombeira, passei 19 anos ali, com orgulho", recordou.

Sem nenhum músico na família, Lessa contou que desenvolveu o interesse pela música por conta própria.

"Batendo uma peladinha, vi a turma tocando gaita. Aí eu me interessei... Até hoje", declarou o maestro, que toca trombone e também compõe arranjos.

Para ele, que, ao longo da vida, dividiu o ofício da música com a profissão de pedreiro, a pessoa se sustenta da música "só se for militar".

"Só se for empregado para a música, para uma banda militar. Para viver de bico por aí, tem que ter um emprego", comentou.

José Bezerra da Silva, o Maestro Lessa, é autodidata e dividiu o amor pela música com a profissão de pedreiro

Artur Ferraz/g1

Carlos Rodrigues

Maestro Carlos Rodrigues fala da rotina das orquestras de frevo durante o carnaval, em imagens de arquivo

Nome completo: Carlos Rodrigues da Silva;

Idade: 58 anos;

Período em atividade conduzindo orquestras: 36 anos;

Extensão da banda que coordena: 45 músicos;

Blocos em que atua durante o carnaval: Homem da Meia-Noite, A Troça, Vassourinhas, Troça Carnavalesca Segurucu, As Virgens de Bairro Novo, O Fazendão, Sem Rumo Sem Direção, Galícia em Folia, A Sopa do Monte, Se Eu Flopar Me Beija, entre outros.

Recifense, o maestro Carlos Rodrigues, que também trabalha como professor de música, é o nome à frente da banda que há 32 anos acompanha a saída do lendário Homem da Meia-Noite em Olinda. Entrevistado pela TV Globo em 2005, contou o quão exaustivo era o trabalho de se apresentar nas ruas (veja vídeo acima).

Comandando uma orquestra extensa, disse ao g1 que procura ter "a máxima paciência" para conduzir os músicos no meio da multidão e que já passou por alguns problemas na rua.

"Por exemplo, o bloco marcar de sair de um lugar e, de repente, trocar o lugar; eu ficar esperando no lugar que eles marcaram primeiro; e eles ficarem me esperando no novo lugar, como se eu soubesse que eles mudaram de repente", afirmou Carlos, que já tocou com Oséas e Lessa e foi professor do maestro Babá.

"Meu interesse pela música começou na banda marcial, no colégio, tocando bombo. Depois passei para as cornetas e fui estudar música. [...] Ele (Babá) estudou iniciação musical comigo. E com Oséas e Lessa aprendi muito", contou.

Ao se dividir entre tantos blocos no carnaval, a disposição, segundo o maestro, "vem na hora, vendo aquela alegria do povo cantando as músicas e fazendo passo nos frevos rasgados".

"O carnaval significa alegria, botar para fora as amarguras do dia a dia. É cansativo, mas é muito bom. Sinto saudades quando essa época passa. Sempre digo: 'A nossa vida é um carnaval, a gente brinca escondendo a dor'. Mas eu amo o carnaval", declarou o maestro, citando um trecho da canção "Turbilhão", de Moacyr Franco.

Risonaldo

Imagem de arquivo mostra banda do Eu Acho é Pouco, regida pelo maestro Risonaldo

Acervo/TV Globo

Nome completo: Risonaldo Manoel Verçosa da Silva;

Idade: 42 anos;

Período em atividade: desde 2003 como músico no carnaval e 11 anos como regente;

Extensão da banda: 40 músicos;

Blocos em que atua durante o carnaval: Eu Acho é Pouco, Porco Digital e Segunda Tem Palhaço.

Mais jovem entre os regentes, Risonaldo Verçosa tomou a frente da Banda Musical Padre Galdino – orquestra de Pombos, na Zona da Mata Norte – em 2013, após o afastamento do maestro Merinho, que morreu no ano seguinte. Desde 2015, ele comanda o desfile do bloco Eu Acho é Pouco, um dos que mais atraem foliões no carnaval de Olinda.

O desafio de se apresentar no meio da multidão no Alto da Sé é tão grande quanto o dragão que simboliza a agremiação fundada em 1977; o que, na visão do maestro, exige criatividade na escolha do repertório.

"Vi que o bloco é muito extenso e faz um percurso muito longo e, como sou arranjador, além desses frevos tradicionais, fiz muitos arranjos na pegada de cantores famosos, como Almir Rouche, Lenine, Marron Brasileiro, Chico Science, e outros frevos que muitas orquestras não tocavam", contou Risonaldo.

Segundo ele, que também trabalha como professor de música e é conselheiro tutelar no município de Pombos, na Zona da Mata Norte, os ensaios de frevo da banda começam em novembro e ocorrem uma vez por semana.

"Penso na musicalidade mesmo, na extensão dos metais, de eles aparecerem. Não só os metais, como o todo. [...] É muita gente e já dei a ideia de dividir a orquestra porque a multidão é muito grande, aquilo imprensa e o som termina não sendo suficiente para a quantidade de foliões. São estratégias para futuramente", adiantou o regente, que pensa em implementar a mudança num dos desfiles deste ano.

Filho de um músico que também fazia parte da banda regida por ele, Risonaldo disse que começou a estudar música ainda criança, aprendendo a tocar clarinete e, depois, saxofone.

"[O carnaval] significa muita alegria. Comecei a tocar, gostei. Tem famílias que querem ir à praia, ir a outros lugares, mas eu me sinto bem indo ao carnaval, me divertindo com a orquestra. Embora não esteja pulando, só o fato de estar ali na frente, escutando a orquestra tocar, para mim, é tudo. Aquilo me faz muito bem", descreveu o maestro.

Babá

Adriano Ferreira Pinto, o maestro Babá, comanda orquestra de frevo que toca no carnaval de Olinda e Recife

Hugo Muniz/Acervo pessoal

Nome completo: Adriano Ferreira Pinto;

Idade: 47 anos;

Período em atividade: 27 anos como músico e 23 anos como regente;

Blocos em que atua durante o carnaval: Enquanto Isso na Sala da Justiça, Olinda Frevo e Folia, Bloco da Ema, Vem pra Sombra, entre outros.

Chamado de Babá desde criança por causa de um problema fonoaudiológico, o olindense Adriano Ferreira Pinto disse que vê o carnaval como a "festa da magia". Desde que começou a estudar música, aos 16 anos, na Casa da Criança, o regente, que também trabalha como motofretista, passou pelos mais diversos grupos, incluindo as orquestras de Carlos e Oséas.

De acordo com ele, a virada na carreira musical foi em 2006, quando assumiu a condução da banda do Grêmio Musical Henrique Dias, do qual foi presidente e onde permaneceu até 2021. Depois, criou a própria orquestra. Este será o segundo carnaval do novo conjunto.

Para dar conta de tantos blocos durante a folia, o maestro contou que busca montar uma "logística", reservando duas horas para cada agremiação, com um intervalo de "meia horinha" entre um e outro.

"Todo carnaval eu penso em parar, mas volto atrás por causa das amizades. [...] Como a gente é nativo daqui, de Olinda, conhece os becos, os meios de saída do 'ruge-ruge' e você anda quase o dobro do percurso que você anda normal. [...] É um sofrimento para quem anda com tuba e surdo", contou Babá.

Segundo ele, o desgaste físico é sentido logo no fim da festa. "Quando o sol arria, é na chuva mesmo. Você está quente, naquele mormaço, vem a chuva, não tem para onde correr. [...] Agora nem tanto, mas eu adoecia na terça-feira de carnaval", disse o músico, que, além de regente, é trombonista.

Babá disse ainda que busca apresentar um repertório variado, incorporando diferentes estilos ao frevo.

"A gente faz umas versões. Pega uma música de Reginaldo Rossi e bota em frevo. Toca 'Ciranda de Maluco', de Otto. Toca 'Sonífera Ilha' (dos Titãs) e bota em frevo. A gente toca um brega do Conde em ritmo frevo. O frevo é um ritmo contagiante que abrange qualquer letra, qualquer música. Tudo cabe no frevo", declarou o maestro.

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