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Poesia de Cacaso emerge nas águas de tributo aos 80 anos do letrista que versou sobre calmarias e tempestades da alma humana

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Por Redação em 05/03/2024 às 15:10:35
Faixa de Carlinhos Vergueiro é o ponto alto de disco que também destaca gravações de Joyce Moreno, Ney Matogrosso, Edu Lobo, Luísa Lacerda, Filó Machado e Alaíde Costa. Cacaso (1944 – 1987), grande letrista da MPB revelado na década de 1970, ganha tributo em disco que festeja os 80 anos do poeta e compositor

Acervo pessoal de Rosa Emilia Dias e Pedro Landim

Capa do álbum 'Cacaso 80 anos'

Acervo pessoal de Rosa Emilia Dias e Pedro Landim com arte gráfica de Leandro Arraes

Resenha de álbum

Título: Cacaso 80 anos

Artista: Alaíde Costa, Camilla Faustino, Carlinhos Vergueiro, Claudio Nucci, Edu Lobo, Eduardo Gudin, Filó Machado, Joyce Moreno, Leila Pinheiro, Luísa Lacerda, Ney Matogrosso, Rosa Emilia Dias, Toquinho e Zé Renato

Edição: Kuarup

Cotação: ? ? ? ?

"Quando o mar tem mais segredo / Não é quando ele se agita / Nem é quando é tempestade / Nem é quando é ventania / Quando o mar tem mais segredo / É quando é... calmaria".

? Apresentados pela cantora Marília Barbosa em 1975 e amplificados no ano seguinte pela voz grave de Maria Bethânia, em gravação feita para o álbum Pássaro proibido (1976), os versos de Amor amor exemplificam a habilidade do compositor mineiro Antônio Carlos Ferreira de Brito (13 de março 1944 – 27 de dezembro de 1987), o Cacaso, para conciliar simplicidade e profundidade em letras de música banhadas em poesia.

Parceria de Cacaso com Sueli Costa (1943 – 2023), autora da bela melodia, a canção Amor amor infelizmente está ausente do repertório do tributo fonográfico idealizado e produzido por Renato Vieira para festejar os 80 anos que Cacaso completaria no próximo dia 13.

Editado pela gravadora Kuarup, com capa que expõe o poeta mirando a calmaria do mar em foto do acervo pessoal de Rosa Emilia Dias, o álbum Cacaso 80 anos chega ao mundo digital na sexta-feira, 8 de março, com outras 12 músicas desse compositor letrista que emergiu na MPB na década de 1970 e que saiu precocemente de cena, aos 43 anos, ao fim de 1987.

Sem inventar moda para "atualizar" a obra de Cacaso, o disco flui bem em molde tradicional. A abertura é em ritmo de samba com Joyce Moreno dando voz à até então inédita letra original de Gente séria, parceria de Cacaso com Joyce criada entre 1976 e 1977.

Com versos que tangenciam a mordacidade, Cacaso molda retrato das contradições do Brasil, país que tem "céu estrelado, papo furado, descalabro e deputado". Com voz e violão, além do tamborim e do caxixi percutidos pelo baterista Tutty Moreno, Joyce recupera tanto a letra original de Gente séria quanto canta, em outra faixa, a letra alterada pelo próprio Cacaso para ser apresentada por Emílio Santiago (1946 – 2013) no álbum Ensaio de amor (1982).

Na sequência, também munido de voz e violão, Zé Renato mergulha novamente em Fonte da vida (1982), parceria com Cacaso que deu batizou o primeiro álbum solo do cantor projetado em 1979 como vocalista do grupo Boca Livre.

Gravado entre abril e dezembro de 2023, o disco ganha relevo quando introduz cantores no universo poético de Cacaso. É o caso de Ney Matogrosso, que grava o letrista pela primeira vez, dando a (boa) voz dos 82 anos à parceria do poeta com Djavan, Lambada de serpente (1980), em gravação feita com piano, arranjo e direção musical de Alexandre Vianna.

Camilla Faustino também debuta no cancioneiro de Cacaso, com correção, mas sem um toque a mais, ao cantar Francamente (1980) em dueto com Toquinho, parceiro de Cacaso na canção reouvida em gravação conduzida pelo violão do próprio Toquinho.

Falta à faixa o brilho de Perfume de cebola (1984), samba temperado com o aroma jazzístico de Filó Machado, cantor e violonista da regravação dessa música que o artista compôs com Cacaso e que lançou há 40 anos. Filó cai em suingue que evoca os balanços de Joyce Moreno e João Bosco.

Em universo mais camerístico, Alaíde Costa imprime classe em Dentro de mim mora um anjo (1975), parceria de Cacaso com Sueli Costa, intérprete original dessa grande canção amplificada na voz de Fafá de Belém em gravação do álbum Banho de cheiro (1978). A abordagem do tributo une o canto de Alaíde ao toque do piano de Alexandre Vianna.

Além da providencial economia financeira, a opção por arranjos minimalistas – geralmente calcados em um ou dois instrumentos – contribuiu para evidenciar a poesia das letras de Cacaso. É o que acontece na gravação de Refém (1981), ponto mais alto do disco.

"Eu nunca amei a ninguém / Nunca devi um vintém / Nem encontrei minha trilha / Eu me perdi muito além / Sendo meu próprio refém / Na solidão de uma ilha", reavalia Carlinhos Vergueiro ao refazer o balanço existencial de Cacaso nessa que foi a única parceria do poeta com Vergueiro, gravada pelo cantor no álbum Passagem (1981). Na pungente regravação de Refém, o canto do intérprete se afina com a refinada trama dos violões tocados por Luiz Maranhão e o próprio Vergueiro.

Também é de 1981 o samba-canção Alma, uma das três parcerias de Eduardo Gudin com Cacaso. Gudin reanima Alma com voz, violões e a melancolia entranhada nos verso de uma das letras com menor teor de poesia no cancioneiro de Cacaso.

Na sequência, com voz e violões, Claudio Nucci desanuvia o clima com a lembrança de As coisas (1984), tema em cuja letra Cacaso – dono de poesia quase sempre densa – se permitiu fazer graça com versos como serelepes como "A vaca avacalhou / A banana embananou / A sombra assombrou / O raio raiou / O piru pirou".

Com o toque dos próprios teclados, Leila Pinheiro adensa novamente o disco ao revisitar Triste baía da Guanabara (Novelli e Cacaso, 1980) com a habitual correção.

Em momento luminoso e sofisticado, Edu Lobo e Luísa Lacerda fazem da tristeza senhora no registro da canção O dono do lugar (1976), parceria de Lobo com Cacaso revivida com piano, arranjo e direção musical de Cristovão Bastos. Outro ponto alto.

Completa o repertório do álbum Cacaso 80 anos uma gravação já pré-existente de Árvore da vida pela cantora e compositora Rosa Emilia Dias, parceira de Cacaso na música e na vida. Árvore da vida foi lançada por Rosa no álbum Ultraleve (1988) e regravada pela artista, 30 anos depois, no álbum Madrigal (2018).

É este fonograma de 2018 que é rebobinado no bem-vindo tributo ao octogenário Cacaso, letrista que banhou a música brasileira de poesia, expondo em versos as calmarias e as tempestades da alma humana.
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