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Policiais atuam como uma 'tropa de segurança' da mĂĄfia do cigarro: protegem, fiscalizam e atĂ© matam

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Por Redação em 02/04/2024 às 19:54:37
RJ2 apurou que ao menos 22 PMs e 1 policial federal aparecem em investigações como segurança dos chefões e por fiscalizarem a venda de cigarros e executarem rivais. Ex-PM conhecido como Sem Alma - pela crueldade de seus crimes - seria o chefe da 'tropa'. A máfia do cigarro no Rio, que movimenta milhões por mês e executa dezenas de desafetos, segue operando sem ser incomodada. O RJ2 apurou que a "tropa do cigarro", uma espécie de equipe de segurança da máfia do cigarro, conta com bombeiros, policiais militares e até um policial federal em seus pelotões.

Os agentes do estado infiltrados no crime organizado protegem os chefões, fiscalizam pontos de venda de cigarro e até assassinam rivais. Ex-PM conhecido como Sem Alma – pela crueldade de seus crimes – seria o chefe da tropa, segundo investigadores.

Quem deveria investigar, passa a fazer parte da máfia. E o policial que tenta fazer o trabalho que precisa ser feito, de combater o crime, vira alvo da quadrilha.

Foi o que aconteceu com o investigador da Polícia Civil Bruno Rodrigues da Silva Rodrigues. Em abril de 2020, o agente chegava em casa em Vila Valqueire, na Zona Oeste do Rio, quando criminosos dispararam mais de 15 vezes contra o carro em que ele estava.

Carro de inspetor Bruno cravado de balas

Reprodução

Peritos acharam 13 estojos de calibre 9 milímetros no local. Bruno conseguiu escapar com vida: foi baleado na perna e sobreviveu.

Segundo o processo que tenta condenar seis acusados apontadas como participantes da tentativa de assassinato, o inspetor foi alvo porque investigava a máfia do cigarro.

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Controle na Feira da Pavuna

Entre as ações que irritaram o grupo, segundo as investigações, está uma operação realizada pela equipe de Bruno sete meses antes, na Feira da Pavuna, bairro da Zona Norte da capital.

Segundo uma investigação do Ministério Público, "comerciantes contaram aos policiais sobre ameaças que estavam sendo feitas por supostos policiais militares, constrangendo-os a venderem somente uma marca de cigarros".

O relatório da investigação conta que a delegacia de Bruno, então, "autorizou a vigilância dos policiais no local para que identificassem os autores".

O RJ2 esteve no local -- onde funciona um dos redutos da máfia ilegal do cigarro. Três anos depois, a situação continua a mesma. Ali, produto paraguaio não entra: só o cigarro falsificado pela quadrilha brasileira.

"Não tem como você botar mais barato, a não ser se você encontrar em Caxias", diz um homem.

Questionado se na cidade da Baixada Fluminense haveria alguma fábrica, ele responde:

"Caxias tem. Caxias é a fonte. É uma treta bem forte, bem forte mesmo."

PMs, bombeiro e até PF

Entre os acusados de tentar matar o policial que investigava o grupo, há 5 policiais militares. Mas eles fazem parte de um universo muito maior, a dos policiais que integram as estruturas da máfia do cigarro no Rio.

Levantamento do RJ2 mostra que somente em 3 investigações feitas no Rio nos últimos 4 anos, foram identificados como envolvidos com as quadrilhas de venda clandestina de cigarro:

22 policiais militares

2 bombeiros

1 policial federal

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Um dos mais violentos e estratégicos policiais nessa engrenagem cruel é Rafael Nascimento Dutra, conhecido como "Sem Alma", apontado pela polícia como o chefe do núcleo de segurança da máfia do cigarro.

Na investigação da morte de Marco Antonio Martins, o Marquinhos Catiri, a relação próxima de Sem Alma com Adilson Oliveira Coutinho Filho, o Adilsinho, fica clara.

No pedido de prisão do bicheiro, o MP afirma que Adilsinho era chamado de "patrão" pelos integrantes do grupo.

Para embasar a relação, o Ministério Público anexa um documento obtido pela Delegacia de Homicídios (DH) que mostra a existência de uma lista de pessoas autorizadas a entrar e sair da casa de Adilsinho, na Barra da Tijuca.

Entre elas, estava Sem Alma. O ex-PM era cadastrado como segurança de Adilsinho.

O MP também cita a festa milionária de Adilsinho no Copacabana Palace. Sem Alma foi um dos convidados (relembra na reportagem abaixo).

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Além da acusação pelo assassinato de Catiri, o cabo da PM é acusado por envolvimento em outros cinco assassinatos.

No mês passado, Sem Alma foi expulso da Polícia Militar pela prática dos crimes.

Segundo o boletim da PM, seu comportamento é considerado incompatível ao perfil esperado de um agente de segurança pública, diante da gravidade dos fatos investigados.

A Justiça não aceitou o pedido de prisão de Adilsinho.

Estrutura empresarial com federal no comando

A estrutura de segurança da máfia vai além da PM. As investigações da Polícia Federal mostram que uma empresa era responsável por parte das contratações de policiais, em uma espécie de terceirização: a Carioca Vigilância LTDA - de propriedade de um agente da polícia federal - Allan Cardoso Inácio de Assis.

De acordo o procedimento, Allan recrutava policiais militares e bombeiros para atuarem a favor dos interesses da máfia do cigarro.

A tropa de PMs e bombeiros chegava a contar com 34 funcionários que, segundo apurado pela PF, recebiam pagamentos quinzenais que variavam de R$ 3,5 mil até R$15 mil.

Os seguranças tinham entre as suas obrigações: ameaçar, constrager e extorquir comerciantes para que vendessem os produtos falsificados pela quadrilha, além de fazer o transporte de valores e evitar operações policiais nas regiões do bando.

Entre os seguranças contratados pelo agente federal havia um funcionário que prestava serviços no Clube Atlético Barra da Tijuca - time de futebol fundado pelo bicheiro Adilsinho.

Allan trabalhava na delegacia da Polícia Federal em Nova Iguaçu e os criminosos agem, como revelado ontem pelo rj2, em quase metade dos 92 municípios do Rio.

O detalhamento da atuação dele foi investigado pela operação Smoke Free.

A ação investigou o esquema de venda de cigarros atribuído a Adilsinho, mas o procedimento foi suspenso pelo Superior Tribunal de Justiça.

Embora a ação esteja trancada na Justiça, Allan responde a um processo disciplinar na corregedoria da Polícia Federal.

A reportagem do RJ2 descobriu que a investigação apura o envolvimento do agente com a máfia do cigarro e a participação dele na empresa de segurança.

Um áudio que consta em uma das investigações mostra como um dos agentes de segurança do estado que atuam na tropa do cigarro age na "espionagem' do grupo:

"Eu tenho esse disfarce há anos, inteligência é comigo, eu levanto qualquer parada. Lido com qualquer um, só não sou x-9"

O alcance da organização criminosa vai além da atuação de policiais e bombeiros como seguranças.

Policiais que seriam 'concorrentes' foram mortos

O levantamento do R2J também mostra que há policiais e outros agentes do estado que decidiram criar suas próprias quadrilhas para disputar com a máfia.

Entre as 20 ocorrências de mortes, sequestros e desparecimentos que o telejornal mostrou nesta segunda, há dois pms, um policial civil e um inspetor penal - que, segundo as investigações, tentaram desafiar o monopólio do cigarro ilegal e acabaram mortos.

Entre as vítimas, o policial civil João Joel de Araújo. Segundo investigações da DH, ele estava vendendo cigarro do Paraguai em Niterói.

A quadrilha descobriu e encomendou sua morte, em 2022, em Guaratiba.

Bruno Killier da Conceição Fernandes foi outra vítima. Ele era inspetor penal e chegou a ser chefe de segurança de Bangu.

Segundo a polícia, Killer passou a vender cigarros concorrendo com a máfia e foi morto. O sócio dele está desaparecido.

O que dizem os citados

A Polícia Federal informou que apura a atuação de um agente dentro da corregedoria da corporação.

A Polícia Civil informou que investiga a ação de grupos criminosos no estado, em suas diferentes áreas de atuação, incluindo a contravenção e o comércio clandestino de cigarros, e que "realiza operações para reprimir este tipo de atividade ilícita, incluindo prisões de envolvidos em roubos de cargas de cigarros e fechamento de depósitos de cigarros contrabandeados, com a apreensão do material".

A polícia disse ainda que há "troca constante de informações entre as unidades envolvidas para auxiliar nas investigações".

A Polícia Militar informa que não compactua e nem tolera quaisquer desvios de conduta, cometimento de crimes ou de abuso de autoridade praticados por seus entes, punindo com rigor os envolvidos quando constatados os fatos.

A defesa de Adilsinho "reitera que seu cliente é inocente".

A produção do RJ2 não conseguiu contato com os outros citados.

O RJ2 não conseguimos contato com os demais citados.
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