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Era de ouro do cinema, filmes adultos e decadĂȘncia: tombado pelo patrimônio, Cine CandelĂĄria estĂĄ caindo aos pedaços

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Por Redação em 14/04/2024 às 06:27:55
Cine foi inaugurado na década de 1950 e pegou fogo nos anos 2000. Prefeitura de Belo Horizonte informou que, por ser patrimônio cultural, qualquer intervenção deve ter projeto aprovado pela Diretoria de Patrimônio Cultural.

Belo Horizonte, domingo, 14 de abril de 2024. O que sobrou do Cine Candelária, na Praça Raul Soares, no Centro da capital mineira, é a antítese do que o cinema foi no passado.

No que resta da fachada frontal no estilo Art Déco, há uma "casca" de parede que mal sustenta a numeração 315. As pichações e as vidraças quebradas são o indício do abandono.

Inaugurado em 11 de dezembro de 1952, o espaço cultural foi um elo entre a cultura e a sétima arte, com filmes nacionais e estrangeiros que atraíam centenas de pessoas nas matinês.

O imóvel é tombado pelo Patrimônio Cultural de Belo Horizonte desde 2009, e está inserido no Conjunto Urbano Praça Raul Soares e Adjacências.

Há um projeto de restauração de 2013, mas que nunca foi executado. Em 2017, o texto foi reapresentado e aprovado pelo município. Entretanto, em função da alteração do Plano Diretor de BH, o projeto será submetido a uma nova análise da Fundação Municipal de Cultura. Ainda não há prazo para isso.

Enferrujado, letreiro do Cine Candelária mostra decadência do espaço cultural

Alex Araújo/g1

A marquise está escorada por caibros de madeira, onde há lixo, fezes e urina. O mau cheiro se espalha na calçada e infesta o ambiente.

E o que está ruim, piora. A parede de trás, que dá para a Rua dos Goitacazes, entre as avenidas Olegário Maciel e Bias Fortes, está com tijolos aparentes, sem reboco e com muitos buracos. Telas de arame impedem que pedaços da construção caiam sobre pedestres e veículos.

O sistema de ar-condicionado está sendo corroído pela ferrugem e a janela, da então sala de projeção, está com vidros quebrados. Como na parte da frente, a marquise se apoia sobre toras e ainda a estrutura de concreto está mal conservada, com lixo e mato.

No alto da edificação, o letreiro com o nome Cine Candelária está derrotado e em nada reverbera os tempos áureos do espaço cultural.

Ademir Gonçalo Ferreira tinha 14 anos quando viu o filme 'O Rei dos Reis' no Cine Candelária

Alex Araújo/g1

O aposentado Ademir Gonçalo Ferreira, de 77 anos, era adolescente quando foi ao Candelária pela primeira vez para assistir "O Rei dos Reis".

"Eu tinha mais ou menos uns 14 anos e o meu pai pagou para eu ver o filme".

Ferreira lamentou o estado deplorável em que o imóvel está.

"Estão acabando com tudo. Acabaram com o Pathé, com o Tamoios, com o Palladium... É um pouco da nossa história que deixa de sobreviver. É um legado que está indo embora", disse.

O aposentado José Barbosa dos Santos assistiu a vários filmes clássicos no Cine Candelária

Alex Araújo/g1

O aposentado José Barbosa dos Santos, de 86 anos, também tem boas lembranças do Cine Candelária.

"Vi o 'Belo Antônio', filme com Marcelo Mastroianni e Claudia Cardinale", disse ele, que também assistiu a vários filmes de faroeste com os atores John Wayne e Kirk Douglas.

Filmes adultos nos anos 1980

Nos anos 1980, o Candelária começou a entrar em decadência. Os filmes da era de ouro de Hollywood deram lugar à indústria pornográfica. Filmes adultos passaram a ser exibidos no cinema.

O pintor Ronaldo Antônio dos Reis, de 63 anos, frequentou o local nesta época. Ele disse à reportagem do g1 Minas que, em 1982, assistiu à pornochanchada brasileira "Boneca Cobiçada".

"Eu trabalhava como cobrador de ônibus e, no dia que eu fui ver o filme 'Boneca Cobiçada', eles me pediram para eu trabalhar até mais tarde, mas eu disse que não poderia porque tinha compromisso", relembrou, rindo.

Reis disse também que já trabalhou na empresa Cinemas e Teatros Minas Gerais que, segundo ele, coordenava 21 cinemas, entre eles o Acaiaca e o Brasil.

Para ele, a decadência do cinema de rua se deu por causa do alto valor cobrado no ingresso, o que era inviável para muitas famílias, e da chegada das fitas VHS alugadas e assistidas no videocassete.

Incêndio e estacionamento

Depois de vendido, Cine Candelária virou estacionamento

Alex Araújo/g1

Nos anos 2000, o local pegou fogo. Logo depois, foi transformado em estacionamento. Em outubro de 2004, foi alvo de mais um incêndio, que provocou a perda total da cobertura e parte considerável da alvenaria. O que restou está à venda.

A reportagem entrou em contato com a Lar Imóveis que informou que o espaço está sendo vendido a R$ 6 milhões e quem comprar ficará responsável pela restauração.

Em 2019, intervenções necessárias para manter a integridade física do imóvel foram realizadas. Uma vistoria foi feita no dia 10 de janeiro deste ano, com a presença de responsável técnico pelo projeto de intervenção, que não tem prazo para ser posto em prática.

Chaves da sétima arte

O chaveiro Carlos Alberto Franca Montes, de 80 anos, que trabalha como chaveiro há mais de 50 anos, fez chaves para vários cinemas de Belo Horizonte, que tinham como proprietário o milionário Antônio Luciano Pereira Filho, conhecido como Luciano, que ficou famoso na cidade pela fortuna que amealhou.

"Ele era dono de praticamente toda Belo Horizonte" Ele tinha muitos prédios e terrenos. O [bairro] Caiçara todo era da família dele", relembrou.

O chaveiro Carlos Alberto Franca Montes fez chaves para vários cinemas de Belo Horizonte

Alex Araújo/g1

Montes disse que trabalhou para quase todos os cinemas de Luciano que integravam a empresa Cinemas e Teatros Minas Gerais.

"Eu trabalhava para o grupo e atendi o Candelária, Art Palácio, o Pathé, o Barroca, o São Geraldo", exemplificou.

Ele falou também que, naquela época, os cinemas eram muito frequentados porque, pelo menos para os homens, a diversão era boemia, sinuca ou cinema.

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