Proposta está em fase de consulta pública. Previsão é que obras durem cinco anos, a partir da assinatura do contrato, que deve acontecer em março de 2025. Especialista classifica lajes como desnecessárias e avalia pontos de atenção sobre escoamento de água e apagamento da presença negra. Projeto de esplanada na Liberdade prevê construção de lajes para ligar viadutos do bairro
Divulgação/SECOM
Um projeto de Parceria Público-Privada (PPP) da Prefeitura de São Paulo planeja construir uma esplanada no bairro da Liberdade, no Centro da capital.
O intuito é o ligamento de quatro pontes sobre a Radial Leste por meio de três lajes, para a implementação de uma área sociocultural a ser administrada pela iniciativa privada por 30 anos.
Os viadutos ligados por três lajes são o Shuhei, na Rua Conselheiro Furtado; o Mie Ken, na Rua da Glória; o Cidade de Osaka, na Rua Galvão Bueno; e o Guilherme de Almeida, na Avenida da Liberdade (confira na imagem abaixo).
Projeto esplanada na Liberdade
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A pedido da prefeitura, quatro escritórios de arquitetura e urbanismo criaram um modelo de como deverá ser a esplanada. Um deles foi escolhido e servirá de base para a obra. Conforme informação do Diário Oficial da terça-feira (3), o projeto está em fase de consulta pública, quando o município recebe sugestões e recomendações da população e de empresas interessadas na concessão.
De acordo com Paulo Galli, diretor-presidente da São Paulo Parcerias (SPP), essa etapa deve durar cerca de 45 dias e, em novembro ou dezembro, o edital para as empresas interessadas em construir e administrar o projeto se apresentarem já estará aberto.
Ainda segundo Galli, esse processo deve durar mais 60 dias, e o leilão com as empresas interessadas deve ocorrer em fevereiro do próximo ano. Após a decisão e a assinatura do contrato de concessão, o prazo estimado para a conclusão das obras é de cinco anos.
O valor total estimado da obra é de R$ 333 milhões, e a prefeitura tem um teto de investimento de recursos públicos de R$ 149,7 milhões. Segundo o presidente da SPP, a meta, no entanto, é que esse valor seja menor.
"A empresa que apresentar o menor valor de contraprestação vai ser vencedora do projeto. Caso todas as empresas zerem esse valor, a gente abre para um leilão com o menor valor de aporte", afirma.
Ponto obrigatórios e recomendações
O projeto da esplanada, conforme explicado por Galli, possui obrigatoriedades para a empresa que ganhar a concessão cumprir. São elas:
Duas praças;
Área comercial;
Centro de memória e cultura étnica;
Reconstrução do Teatro São Paulo;
Estacionamento do teatro.
Além disso, são recomendadas construções, como um rooftop de empreendimento, mais um edifício comercial e outro estacionamento.
A empresa selecionada será responsável pela implantação, manutenção, zeladoria e ativação sociocultural da Esplanada Liberdade.
Projeto de esplanada na Liberdade tem pontos obrigatórios a serem cumpridos pela empresa que ganahr a concessão
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Objetivo
O presidente da SPP afirma que o projeto é parte do objetivo geral da gestão Nunes de revitalizar o Centro. Além disso, Galli cita o retorno do público ao espaço tomado pela construção da Radial Leste.
"Uma parte considerável da Liberdade foi suprimida para a construção dessa avenida, e equipamentos importantes sumiram. Nós tínhamos ali praças, um teatro e tudo isso acabou desaparecendo", comenta.
Galli elenca, ainda, o incentivo ao turismo na região como outra meta da esplanada. Sobre a questão social, apesar de a empresa concessionária ter direito a administrar os lucros do teatro e do estacionamento, ele afirma que haverá a obrigatoriedade de haver tarifas sociais.
A memória étnica da região também é mencionada.
"Um dos objetivos é resgatar questões importantes como a questão da comunidade negra de São Paulo, porque você tem a Capela do Aflitos lá, que é uma referência histórica da população negra na cidade", diz. "E ela [Liberdade] também é multirracial, algo que nós também vamos explorar."
Avaliação de especialista
Para Pedro Vaga, coordenador de urbanismo na Escola da Cidade, o projeto apresenta muitos pontos a serem reavaliados.
Entre eles, o urbanista comenta sua visão sobre a criação das lajes, ponto central da proposta.
"De fato, [a região] tem uma diferença de topografia, mas você não precisa construir uma laje para resolver isso. É um esforço estrutural gigantesco", afirma. "A grande questão é que não precisa ser em cima da via, tem a possibilidade de trabalhar as ruas existentes para fazer essas conexões, tem um ou outro terreno que poderia ser desapropriado, que poderia ser comprado para fazer um projeto. Teria outras alternativas."
Outro ponto de atenção levantado por Vaga após consultar o material disponibilizado pela prefeitura da capital é o escoamento de água.
"Ali é uma área importante de drenagem porque passa um córrego embaixo da avenida. Então, você tem um sistema de impermeabilização com essas lajes enormes e, aí, teria que fazer um estudo extremamente elaborado que não foi apresentado", observa.
O urbanista critica também a falta de apresentação de estudos sobre a presença da população negra e indígena na região.
"O grande debate da Liberdade, pelo menos entre as pessoas que estudam mais profundamente aquele bairro, é a relação da cultura negra e da memória da escravidão que tem aquele bairro. Inclusive, tem memória indígenas nessa região", afirma. "E essa memória foi totalmente apagada com a ascendência dos asiáticos naquela região, tanto que a estação de metrô mudou de nome."
"Apesar da obrigatoriedade do Centro de Memória e Cultura, que eles afirmam ser multicultural, [no material fornecido] só tem uma citação sobre a questão da memória negra que é na linha do tempo. Não tem nenhum estudo fornecido", diz.
Vaga também se mostra preocupado com uma característica já conhecida da região: a presença de vendedores ambulantes.
"O ambulante é sempre malvisto, principalmente pela prefeitura, então o que, ao meu ver, vai acontecer é a expulsão porque eles não têm dinheiro para pagar um aluguel desses mercadinhos populares que eles propõem", comenta.
O coordenador da Escola da Cidade critica, ainda, a decisão de conceder o espaço à iniciativa privada.
"Uma outra questão que eu acho que é uma das principais é esse modelo de construir espaços públicos em São Paulo, que é o modelo de PPPs", diz. "O que prevalece nesse projeto é esse caráter do grande espaço público, que eles falam que vai ser um espaço público, mas que na verdade vai ser um espaço privado, gerenciado por uma empresa privada, que tem a concessão durante 30 anos do espaço."
"A pretensão de fazer um espaço, um projeto, que de alguma maneira traz as questões culturais da área para as pessoas poderem usufruir é interessante, sim. Mas o jeito que foi feito é falido", finaliza.
*Sob supervisão de Paula Lago