A ideia é provocar reflexão revertendo a utilização da linguagem de clínicas que prometem "cura" para o público LGBTQIAPN+. Performance sobre "clínica contra homofobia" percorre bairros de Fortaleza.
"Se você tem se sentido homofóbico, nós temos a solução". Assim, promete a "Clínica de Reabilitação para Homofóbicos", que tem a divulgação circulando por Fortaleza. Nos panfletos ou nas traseiras de ônibus, o projeto criado pelos artistas Eduardo Bruno e Waldirio Castro anuncia um tratamento psicológico contra o preconceito, provocando reflexão ao reverter a utilização da linguagem de clínicas que prometem "cura" para o público LGBTQIAPN+.
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Apesar das clínicas que prometem "curar" pessoas que não sejam cisgênero ou heterossexuais, a homossexualidade deixou de ser considerada doença mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1990. O preconceito também não é doença, mas pode ser tratado. É esse o objetivo da clínica simulada pelos artistas em Fortaleza.
Na divulgação, eles disponibilizam um número de Whatsapp para que as pessoas busquem tratamento contra o preconceito — ou fiquem curiosas com a ação. Quando entram em contato, elas recebem um conjunto de materiais didáticos que ajudam a conscientizar sobre a diversidade sexual e de gênero.
Artistas criam simulação de tratamento psicológico contra o preconceito em Fortaleza.
Sérgio Lima
A ideia da performance artística surgiu durante a pandemia de Covid-19, quando os dois artistas (que são um casal) se questionaram como os espaços culturais impactam na vida de pessoas LGBTs. Primeiramente, eles criaram o "Procedimento para Ocupar a Cidade (POC)" — em referência à gíria "poc", usada para falar de homens gays afeminados. A performance da clínica foi um desdobramento ainda desse processo.
"A gente começou a pensar sobre essa relação da 'cura gay', 'cura de pessoas LGBTs'. Então, a gente pensou que esse vocabulário, que até hoje era usado, ele poderia ser um giro e começar a usar esse vocabulário pensando em como curar a sociedade, curar a homofobia da sociedade", explicou Eduardo Bruno, um dos idealizadores da ação.
"Como a gente é um casal de gays, de 'bichas', a gente focou na questão da homossexualidade, mas que essa proposta é voltada à lesbofobia, transfobia, enfim. Então a gente focou na clínica de habilitação para homofóbicos. E a ideia era usar esse vocabulário, que é um vocabulário utilizado até hoje para pensar essas clínicas clandestinas que 'curam', entre várias aspas, pessoas LGBTs", complementou o artista.
Circulação na cidade
Artistas panfletam sobre clínia com "cura" para homofóbicos, em Fortaleza.
Sérgio Lima
Não é a primeira vez que a 'clínica' percorre cidades no Ceará. A performance já aconteceu em municípios do interior do estado, como Crato, Quixadá e Quixeramobim. No entanto, a performance acontece na capital, desta vez, com apoio conseguido a partir de um edital da Secretaria da Cultura de Fortaleza. Na nova divulgação, os artistas decidiram apostar em oito busdoors (mensagens expostas em ônibus).
"Ele consegue circular muito mais do que a gente, fica um mês em circulação, atinge um grande público, consegue ter um acesso que o nosso corpo, enquanto performance presente, não consegue. Então a gente bota o ônibus para performar pela gente, e fazer com que essa obra continue a circular", explicou Bruno.
Além dos ônibus, os artistas também realizam atividades da performance em locais específicos. Na capital, a divulgação da clínica já passou por bairros como Messejana, Álvaro Weyne e Maraponga. Os artistas panfletam e exibem uma faixa com o slogan da campanha. A cada atividade realizada, eles brincam que "uma filial da clínica foi instalada".
"Isso também é um jogo que a gente acaba fazendo com essa fabulação da clínica, porque quando a gente fala das filiais, a gente fala dos locais onde a ação já foi realizada. A gente, quando vai especificamente nos espaços onde a gente faz a ação, a gente diz que é uma abertura de uma filial", explicou Waldirio Castro, outro idealizador.
Impacto
Número da 'clínica' divulgado compartilha materiais didáticos contra preconceitos.
Sérgio Lima
Com a performance, os artistas querem abordar de maneira já usual um problema também corriqueiro. "A gente acredita que por ser uma ação que tensiona a homofobia estrutural em que a gente vive, a gente tenta estabelecer essa ação artística por meio de dispositivos que geralmente são utilizados no cotidiano por empresas de marketing, como os panfletos, as faixas, o jingle, para acessar pessoas que estejam interessadas no debate", explicou Waldirio.
A "cura" para a homofobia na palma da mão, a um toque de distância, inclusive, atrai a curiosidade do público atingido. "O que acontece é que algumas pessoas entram em contato no número, porque é um número que existe, a partir daí a gente estabelece esse contato e a gente sempre acredita em pensar uma ação artística de modo pedagógico", comentou o curador, que é mestre em artes pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
"Muitas pessoas perguntam como é que a clínica funciona, qual a discussão que a gente está querendo trazer. Então, a gente pensa que diversos públicos vão acessar esse trabalho", destacou.
"Se uma pessoa conservadora entra em contato, a gente tenta conversar e estabelecer um diálogo perguntando o porquê que ela se considera uma pessoa homofóbica, qual o histórico para que isso aconteça. A gente acredita que essa ação também é uma provocação de pensar um trabalho artístico que estabelece uma reflexão crítica de modo pedagógico com pessoas que estão interessadas em compreender acerca dessa homofobia estrutural", complementou o artista.
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