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Prefeitura de Piracicaba vai acionar a Justiça contra lei do 'Despejo Zero'; entenda o caso

Por São Paulo Jornal em 23/02/2023 às 18:38:57
Proposta prevê acolhimento social em casos de despejos em áreas ocupadas. Administração diz que iniciativa é inconstitucional, o que é contestado por advogados populares. Prédio da Prefeitura de Piracicaba

Prefeitura municipal de Piracicaba

A Prefeitura de Piracicaba (SP) informou que vai acionar a Justiça contra uma lei aprovada pela Câmara que prevê ações de acolhimento social para moradores de ocupações alvo de reintegrações de posse.

A proposta, que ficou conhecida como "Despejo Zero", foi aprovada pelo Legislativo no dia 15 de dezembro, em dois turnos, mas foi vetada pela prefeitura no início de janeiro sob justificativa de que é inconstitucional, contraria o interesse público e compromete o planejamento de uso e ocupação de solo.

Conforme prevê a legislação, o veto da prefeitura também passou por votação no Legislativo, na última quinta-feira (16), e não foi aceito pelos vereadores. Assim, a lei entrará em vigor.

A Procuradoria Geral do município comunicou vai ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) porque considera que há no projeto o que o direito considera "vício de origem". "Não é de competência da Câmara a sua propositura, considerando o ônus que proporciona para o município. Portanto, no entender da Procuradoria, a inconstitucionalidade atinge o projeto como um todo sem a possibilidade que ele seja declarado parcialmente inconstitucional", argumenta.

Antes disso, a prefeitura vai devolver o projeto de Lei para a Câmara Municipal, sem a sanção do prefeito. A partir disso, o Presidente da Câmara terá o prazo de 48 horas para promulgá-la - publicá-la oficialmente e colocá-la em vigor. Então, quando acontecer a promulgação, a Procuradoria Geral diz que vai ajuizar a Adin.

Projeto foi aprovado em sessão da Câmara desta quinta-feira (15), em Piracicaba

Guilherme Leite

O g1 questionou o governo municipal a respeito de políticas habitacionais que vem adotando. A prefeitura informou que o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS) apresenta as ações e metas relacionadas às políticas públicas da Habitação de Interesse Social e, dentre elas, está o programa de Provisão Habitacional.

"Neste caminho, no ano passado, o Município firmou convênios com o Governo Estadual, no Programa Nossa Casa Preço Social. Este programa prevê a parceria das três esferas de Governo (Municipal, Estadual e Federal) com a iniciativa privada, para a viabilização de empreendimentos voltados para a Habitação de Interesse Social. Assim, este programa possibilitará que famílias de baixa renda adquiram sua casa própria a preços abaixo do mercado e de forma mais acessível", comunicou.

A atual gestão municipal ainda não construiu moradias para famílias de baixa renda. A administração informou que precisa cumprir uma série de requisitos para garantir acessos a recursos federais para construir moradias para famílias de baixa renda e que estes procedimentos estão em andamento.

"O último pendente era a aprovação do orçamento e, do plano de ações de 2023, pelos Membros do Conselho Gestor do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (Fumhis). Neste aspecto, destaca-se que no dia 17/02/23 a Secretaria de Habitação e Gestão Territorial (Semuhget) realizou a reunião deste Conselho Gestor, onde, por unanimidade estes dois documentos foram aprovados. Agora o município estará apto a captar recursos e/ou firmar convênios junto aos programas habitacionais que estão para serem lançados pelo Governo Federal", detalhou.

A Semuhget orienta as famílias de baixa renda que necessitam de moradia a realizarem ou atualizarem seu Cadastro de Demanda junto ao Setor de Serviço Social da pasta (no prédio da antiga Emdhap – das 8h30 às 16h30). Este cadastro deve ser atualizado anualmente.

"Assim que, novos empreendimentos forem lançados, ofertando habitação de interesse social, a Semuhget divulgará o edital com os critérios de seleção, para que as famílias interessadas se inscrevam", finalizou. Questionada pela reportagem, a prefeitura não informou prazos.

Comunidade Renascer, em Piracicaba

Júlia Heloisa Silva/ g1

O que prevê a proposta

O objetivo do projeto, que é de iniciativa popular e foi assinado por vários parlamentares, é minimizar os impactos sociais das reintegrações de posse determinadas pela Justiça no município, através do estabelecimento de uma série de condutas a serem adotadas pelo poder público para garantir que os processos ocorram de forma humanizada.

De acordo com a proposta, as ordens de despejo ou remoção na cidade devem obedecer os seguintes critérios:

Garantia de habitação às famílias vulneráveis, sem ameaça de remoção;

Manutenção do acesso a serviços de comunicação, energia elétrica, água potável, saneamento e coleta de lixo;

Proteção contra intempéries climáticas ou ameaças à saúde e à vida;

Acesso aos meios de subsistência, inclusive acesso à terra, infraestrutura, fontes de renda e trabalho;

Privacidade, segurança e proteção contra violência.

O texto também estabelece que o poder público deve notificar as pessoas que serão desalojadas; avaliar os impactos socioeconômicos que serão causados pela pandemia aos moradores; apresentar índices sobre nível de contaminação por Covid-19 nas áreas e proporção de pessoas vacinadas; realizar audiência de mediação entre as partes; e inserir as pessoas removidas em programas e políticas sociais.

Advogados populares contestam veto

Em janeiro, advogados populares das ocupações Renascer, Vitória-Pantanal e União divulgaram uma nota técnica contestando o veto da prefeitura.

Para a prefeitura, a iniciativa estimula ocupações irregulares no município. Além disso, aponta que a logística necessária ao alojamento das pessoas despejadas geraria gastos em vários aspectos, prejudicando a política habitacional.

A nota técnica do corpo jurídico das comunidades contesta que se contrarie o interesse público, sustentando que o projeto foi construído pelas associações de moradores das comunidades em diversas assembleias, junto com a população das favelas e quadro técnico, além de ter 11 coautores eleitos pelo voto popular. Acrescenta, ainda, que além de ser aprovado pela Câmara, o projeto não teve paracer contrário de qualquer comissão do Legislativo.

"Seria esta propositura, que foi construída coletivamente, com anuência unânime dos representantes do legislativo (eleitos pela coletividade do município), que pretende satisfazer necessidade material de parcela expressiva da população de Piracicaba - a parcela mais vulnerável dessa população - com vistas ao cumprimento da obrigação constitucional do poder público relativo aos direitos fundamentais (como o direito à vida, à dignidade, e à moradia digna), contrária ao interesse público?", questiona.

Quanto aos gastos que a prefeitura aponta que seria necessários para acolhimento das famílias, o texto argumenta que haverá "intensa" despesa dos cofres públicos nas áreas de segurança e saúde pública após possíveis reintegrações de posse nas comunidades.

"[O projeto] não prevê prazo e nem especifica os meios pelo qual a administração pública deverá cumprir as condicionantes para reintegrações de posse e despejo, portanto ficando sua execução atrelada a completa iniciativa do Prefeito no momento oportuno em que este possa propor rubricas orçamentárias. O que se propõe é condicionar o poder público à sua obrigação constitucional de promover uma solução digna às famílias afetadas pela sua própria inação", completa.

Moradores se reuniram em frente à Câmara durante manifestação

Caio Garcia Figueiredo

Quanto à alegação de comprometimento do planejamento de uso e ocupação de solo, a nota técnica cita trecho da Constituição que prevê que cabe ao poder público resolver as questões de imóveis que não cumprem função social.

"Atualmente na cidade de Piracicaba, não existe política pública de moradia, desrespeitando o Plano Diretor. Muito menos políticas socioeconômicas em vigor na cidade que garantam condições mínimas de segurança social e que torne viável uma opção às famílias vulneráveis que ocupam áreas públicas e particulares, como também está previsto pelo PDD (plano diretor de desenvolvimento)".

"A forma de combater tais ocupações é por meio de um programa de habitação digno para famílias de baixa renda, e não excluindo e marginalizando cada vez mais os moradores de tais territórios", argumenta, em outro trecho.

A nota aponta, ainda, que não são feridos nenhum dos pontos que podem caracterizar vício de iniciativa do projeto, o que o levaria a se tornar inconstitucional, por não tratar de previsão orçamentária, cargos e funções de administração ou de criação ou estruturação de órgãos públicos.

Moradores da Comunidade Renascer fazem ato por moradia em Piracicaba

Bruno Leoni

Pobreza e déficit habitacional

O projeto apresenta dados do Cadastro Único (CadÚnico) que mostram um aumento de 30% no número de famílias em situação de extrema pobreza em Piracicaba entre o final de 2019 e fevereiro de 2021. Segundo as informações, em 2021, 13 mil famílias da cidade viviam com renda mensal de até R$ 89 por pessoa.

"Com esta renda, é inviável para parte considerável da população a possibilidade de se alimentar, quanto mais arcar com os altos custos do acesso à moradia pela compra de casa própria ou por aluguel dentro do mercado imobiliário especulativo", argumentam.

Também apontam que o Censo Municipal da População em Situação de Rua de 2021 feito em Piracicaba demonstra que 32,2% dos entrevistados passaram a morar nas ruas desde 2019, sendo 23,7% acumulados do ano de 2020 (ano que se iniciou a pandemia).

"Dentro da situação do município de Piracicaba, há de se evidenciar que o caos social que enfrentamos será severamente agravado no caso de não garantirmos, via legislação, este regime de transição. Há uma ligação intrínseca entre casos de aumento de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, do aumento da população em situação de rua com as consequências da pandemia de Covid-19 e da falta de responsabilidade histórica do Poder Público Municipal aos problemas relacionados ao acesso à moradia digna", diz trecho da justificativa do projeto.

O texto cita, ainda, dados do Plano Municipal de Habitação de Intesse Social (PMHIS) que mostra que, segundo dados pré-pandemia de 2020, Piracicaba possuía déficit habitacional de 8.818 unidades habitacionais.

Manifestantes em frente à prefeitura.

Bruno Leoni

Comunidade reúne 470 famílias

Uma das áreas envolvida em imbróglio judicial para reintegração de posse abriga a Comunidade Renascer, que segundo dados da líder comunitária informados em agosto, reúne cerca de 470 famílias.

Em junho de 2022, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) acolheu um recurso do Ministério Público e Defensoria Pública do Estado de São Paulo e suspendeu uma reintegração de posse prevista na área, que fica no bairro Novo Horizonte.

Em 2020, outra reintegração de posse que havia sido determinada, também foi suspensa pelo TJ-SP depois do início da pandemia de coronavírus, devido ao risco de proliferação da Covid-19.

Desde a suspensão do prazo para a reintegração de posse na comunidade, moradores da área têm realizado protestos para cobrar ações do poder público. Um deles ocorreu em fevereiro de 2022.

Em nota divulgada na ocasião, a prefeitura informou que se reuniu com representantes da Comunidade Renascer e que "sempre esteve aberta ao diálogo, realizando várias reuniões com representantes da Renascer nos últimos meses, apesar da prefeitura não ter legitimidade para interferir num processo privado, que já teve sentença transitada em julgado."

A prefeitura disse ainda que a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) estava fazendo o cadastramento das famílias e cruzamento de dados com o Cadastro Único (CadÚnico), para referenciá-los no Sistema Nacional de Programas socioassistenciais.

"Após a finalização destas triagens das famílias serão feitos os devidos encaminhamentos socioassistenciais", finaliza a nota.

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