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Casais de joão-de-barro podem se 'divorciar' por insucesso reprodutivo; entenda

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Por Redação em 30/11/2023 às 11:11:11
Indivíduos tendem a manter vínculo por anos, no entanto, algumas relações podem terminar por motivos de saúde frágil do parceiro e/ou insuficiência na reprodução. Espécie não possui dimorfismo sexual, mas é possível identificar macho e fêmea pelos padrões de vocalização

Paulo Valadão

Um estudo conduzido por pesquisadores de duas universidades brasileiras com populações de joão-de-barro no Distrito Federal e em Minas Gerais mostrou que, em quatro anos de monitoramento de campo, foram observadas 26 substituições de parceiros. Essas trocas poderiam estar relacionadas a problemas de saúde ou insucesso reprodutivo por baixa qualidade de um dos indivíduos.

O biólogo Paulo Amorim explica que o fato de os casais de joão-de-barro estabelecerem territórios fixos, possibilitou monitorar a permanência do vínculo entre eles ao longo do tempo.

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"Sempre que um parceiro anilhado desaparecia, essa informação era registrada, bem como se, no lugar deste, aparecia outro indivíduo, como por exemplo, um indivíduo não anilhado. Além disso, conseguimos rastrear alguns parceiros que 'se divorciaram' em outros territórios, já com outros parceiros", diz o biólogo.

Indivíduo anilhado de joão-de-barro durante o período reprodutivo

Pedro Diniz

De acordo com Paulo, as hipóteses de problemas de saúde e insucesso reprodutivo foram levantadas nas observações de campo. "Encontramos um casal com um dos parceiros com reduzido peso corporal (comparado à média da população), baixa capacidade de voo (apresentava forte desgaste na plumagem) e reduzida capacidade de responder à vocalização do parceiro para cantar em dueto", esclarece o biólogo.

Esse dueto é o canto formado pela sobreposição da vocalização da fêmea e macho, sendo a sincronia do canto um indicativo da capacidade de defesa do território pelo casal proprietário e que indica o quão comprometido está o par. Sendo assim, se um dos indivíduos não está 100%, significa que a defesa dos recursos não será efetiva.

Sobre o reduzido desempenho em estações reprodutivas anteriores, Paulo reforça a necessidade de testar o pressuposto em estudos futuros. "Essa hipótese de insucesso reprodutivo está bem definida para aves na região temperada e, possivelmente, explica os padrões observados com o joão-de-barro".

Fêmea ou macho: quem é mais propenso ao divórcio

Segundo Paulo Amorim, que é mestre em Comportamento e Biologia Animal pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), os casais de joão-de-barro mantêm longos laços de monogamia social e são cooperativos nas atividades territoriais.

Em outras palavras, quando formam um laço social, os parceiros vivem juntos e ambos colaboram na aquisição e segurança da moradia, comida e outros recursos básicos para sobrevivência.

O biólogo Paulo Amorim em procedimento de anilhamento de indivíduos de joão-de-barro

Arquivo pessoal/Paulo Amorim

"Em nossas populações de estudo, observamos que 25% dos casais monitorados permanecem juntos por mais de três anos. Mas acreditamos que esse tempo de vínculo seja ainda maior. Temos um casal, recentemente observado, que está junto há 10 anos. Eles foram anilhados em 2013 e, ainda hoje, estão juntos e no mesmo território".

Paulo afirma que casais de joão-de-barro tendem a ficar juntos por muitos anos. "Em geral, o sucesso reprodutivo é alto entre os casais, além disso, há uma alta taxa de fidelidade entre os parceiros, como observado pelo meu coorientador Pedro Diniz em outros trabalhos com a espécie".

"Em face desse conhecimento prévio sobre a espécie, acreditamos que a manutenção do vínculo está relacionada ao sucesso reprodutivo", acrescenta e lembra também que ambos os sexos são igualmente propensos à substituição de parceiros.

"A insatisfação por algum dos parceiros não resulta na prisão da fêmea no ninho, como diz a lenda mais famosa desta espécie, mas sim na substituição por um indivíduo teoricamente melhor", explica o biólogo.

Durante os quatro anos de estudo, três deles (2013 - 2015) foram monitorando uma população anilhada em Brasília (DF), onde observaram 24 eventos de substituição de parceiros. De 2019 a 2020, os pesquisadores analisaram uma população em Juiz de Fora (MG) e se depararam com dois eventos de "divórcio".

Como identificar macho e fêmea

Embora não haja dimorfismo sexual entre machos e fêmeas de joão-de-barro, ou seja, eles apresentam similaridade na coloração da plumagem, há padrões de vocalização que diferem entre os sexos.

Indivíduo de joão-de-barro com anilhas de identificação feitas com plástico indolor

Paulo Amorim

Fêmeas emitem cantos mais agudos, ou seja, cantam em uma faixa de frequência maior, enquanto machos emitem cantos mais graves. Machos também emitem cantos mais rápidos, com mais sílabas por segundo, do que fêmeas.

Durante o canto em dueto, no qual ambos os sexos se aproximam para cantar juntos, é possível também identificar os sexos comparando a exibição visual do casal durante o dueto: machos, comparado às fêmeas, batem as asas com maior rapidez (correspondendo ao seu canto mais acelerado). Com a prática de observar essas aves cantando em dueto na natureza, é possível identificar os sexos com facilidade

Neste trabalho, foram utilizamos técnicas moleculares para sexagem dos indivíduos na população de Brasília, e análise de características vocais nas demais áreas.

De acordo com Paulo Amorim, há outras espécies com comportamento de "divórcio", mas o conhecimento sobre a temática na região neotropical ainda é escasso devido a dificuldade de monitoramento utilizando apenas as marcações visuais com anilhas. "Em países com maior disponibilidade de verbas, os pesquisadores utilizam técnicas mais elaboradas, como o uso de equipamentos de GPS, para monitorar casais de aves em tempo real", diz.

Em quatro anos de trabalho com joão-de-barro, houve uma frequência de 26 substituições de parceiros

Pedro Diniz

"Em outras localidades, sabe-se que o divórcio é comum entre chapim-azul (Cyanistes caeruleus), moleiro-grande (Stercorarius skua) e purple-crowned fairywren (Malurus coronatus)", conclui.

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