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Mulher de mĂșsico metralhado pelo ExĂ©rcito relata traumas do filho, 5 anos após crime; julgamento não tem previsão para acabar

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Por Redação em 07/04/2024 às 04:46:35
Luciana dos Santos sobreviveu ao ataque de 257 tiros em 2019, mas ainda vive o luto, as dificuldades para sustentar a família e para ver os autores dos tiros serem responsabilizados. VIDEO

Em 7 de abril de 2019, o músico Evaldo Rosa dos Santos foi metralhado por militares do Exército. Cinco anos depois, a viúva, Luciana dos Santos, recebeu o g1 em sua casa alugada em Irajá, na Zona Norte do Rio.

A técnica de enfermagem relembrou a tragédia e falou das dificuldades que vive desde então: a perda do marido, os traumas do filho, o trabalho dobrado para sustentar a família e da luta para ver os autores responsabilizados.

O processo está suspenso e sem data para ser retomado no Superior Tribunal Militar (STM). No mês passado, o relator pediu a absolvição dos militares, e outra ministra pediu vistas (entenda abaixo).

Mãe e filho são sobreviventes do ataque com 257 tiros – os militares alegam que confundiram o carro da família com o de bandidos que perseguiam. Segundo Luciana, Davi Bruno, que tinha 7 anos quando o pai morreu, é hoje "uma criança cheia de traumas".

"Daquela data pra cá, tudo para mim mudou. Hoje, eu vejo a vida diferente. Eu percebo como a vida é árdua, como a vida é difícil (...) [Davi] é uma criança que tem medo de barulho, uma criança que vive com saudades do pai. Então, eu preciso seguir por ele, eu preciso estar de pé por ele, eu preciso ser forte por ele", contou Luciana em entrevista ao g1.

Traseira do carro ficou perfurada de balas

Reprodução/TV Globo

A princípio, o caso ficou conhecido pelos 80 tiros identificados em análise preliminar da polícia. Depois, porém, foi constatado que o número era bem maior (257) e que 62 balas atingiram o carro. Evaldo foi atingido por 9 delas e morreu na hora.

O catador de latinhas Luciano Macedo, que passava no local, ficou ferido ao tentar ajudar e morreu 11 dias depois, no hospital.

Em 2021, em julgamento na Justiça Militar, oito réus foram condenados pelas mortes de Evaldo e Luciano. Todos respondem em liberdade e executando suas funções normalmente.

Relator do STM pede absolvição: 'legítima defesa'

O caso chegou ao Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília, após um pedido da defesa dos militares, que afirma que eles agiram em legítima defesa.

O relator do processo no STM, ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, propôs a absolvição dos militares pela morte de Evaldo e a qualificação do homicídio de Luciano Macedo como culposo – ou seja, sem intenção de matar.

Condenação contra militares acusados de matar Evaldo em 2019

Reprodução/Arquivo Pessoal

A ministra Elizabeth Guimarães pediu vistas, e o julgamento foi adiado.

Não há uma nova data para a próxima sessão, o que aumenta o nervosismo de Luciana quanto a uma resolução do caso. Apesar disso, ela mantém a esperança.

"A gente sabe que a justiça no nosso país é muito falha, a justiça para pobre é muito difícil e demorada. O tempo vai se arrastando, já faz 5 anos. Quando eu penso que a história está calma, vão lá e mexem na ferida novamente. Eu não posso desistir. Se eu desistir, eu vou estar desistindo do Duda [apelido de Evaldo]", contou a viúva de Evaldo.

A viúva disse que mantém o filho atualizado sobre todos os passos do processo.

"No dia do julgamento, ele assistiu comigo tudo direitinho e ele falou pra mim: 'Mamãe, o que eu vou falar pros meus netos? Eles tiraram meu direito de ter o meu pai velhinho", relatou Luciana.

Família ia para chá de bebê

Evaldo ia com a família para um chá de bebê na Zona Oeste do Rio. O carro da família tinha cinco ocupantes: o músico, sua esposa, o filho, uma amiga da família e o pai de Luciana.

Doze militares do Exército atiraram dezenas de vezes contra o carro, que seguiu rodando por alguns metros mais até parar, quando foram feitos novos disparos.

A abordagem do veículo foi realizada na altura de Deodoro. Os militares alegaram que pensaram que o veículo tinha participado de um assalto momentos antes.

"O que mais me marcou foi a forma [como os militares agiram]. Mesmo depois que eles souberam que erraram, com aquela quantidade de tiro, mesmo no meu momento de desespero, eu alegando pra eles que ali existia uma família do bem, eles continuaram com arma em punho. Aquela imagem, a imagem do rosto deles, sabe? Eles apontando uma arma. Foi uma cena horrível", completou a viúva.

"Não tem como eu esquecer o que aconteceu no dia 7 de abril de 2019. Aquela cena vou levar até meu último suspiro", definiu Luciana.

O que dizem as defesas

Advogado de defesa dos oito militares condenados, Rodrigo Roca sustenta a versão de legítima defesa. Segundo ele, todos seus clientes aguardam o fim do julgamento em liberdade.

"Qualquer um que lê aquele processo não vai ter outra impressão que não seja que havia uma excludente de ilicitude, ou seja, a legítima defesa é evidente e salta da leitura do processo", afirmou.

"A excludente de ilicitude afasta o caráter de ilícito de determinada conduta. Embora ela esteja descrita formalmente em uma norma penal, o fato de o agente ter praticado uma conduta sobre determinadas circunstâncias afasta o caráter de ilicitude", completou.

Advogado das vítimas, André Perecmanis trata a versão como um "absurdo" e lamentou os dois primeiros votos no STM optando pela redução da pena dos militares.

"A gente recebe a justificativa com estupefação. Me parece um absurdo dizer que estavam em legítima defesa tendo disparado 257 tiros, terem atingido as vítimas pelas costas e tendo testemunhas gritando que eram pessoas trabalhadoras dentro do carro", disse o jurista.

"Sendo que não foi disparado nenhum tiro na direção deles, nenhuma arma foi encontrada, me parece um absurdo isso tudo. É uma tese completamente divorciada das provas do processo, mas que vem sendo acolhida pelo Superior Tribunal Militar", completou.
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